Wednesday, November 05, 2014

Sátira aos homens quando estão com gripe


Pachos na testa, terço na mão
Uma botija, chá de limão
Zaragatoas, vinho com mel
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher
Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer
Mede-me a febre, olha-me a goela
Cala os miúdos, fecha a janela
Não quero canja, nem a salada
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada
Se tu sonhasses, como me sinto
Já vejo a morte, nunca te minto
Já vejo o inferno, chamas diabos
Anjos estranhos, cornos e rabos
Vejo os demónios, nas suas danças
Tigres sem listras, bodes de tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes, que foi aquilo!
Não é a chuva, no meu postigo
Ai Lurdes, Lurdes, fica comigo
Não é o vento, a cirandar
Nem são as vozes, que vêm do mar
Não é o pingo de uma torneira
Põe-me a santinha, à cabeceira
Compõe-me a colcha, fala ao prior
Pousa o Jesus, no cobertor
Chama o doutor, passa a chamada
Ai Lurdes, Lurdes, nem dás por nada
Faz-me tisanas, e pão-de-ló
Não te levantes, que fico só
Aqui sozinho a apodrecer
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.

(António Lobo Antunes)

4 comments:

Rogério G.V. Pereira said...

Que apodreça

eu
quando me engripo,
gripo
sózinho
abafo-me
abifo-me
e bebo bom vinho

(esse gajo é um emplastro)

Manuel Veiga said...

por este andar ainda o temos Nobel...

beijo, Maria

A.S. said...

Gostei...!!!!!!!!

Beijos,
AL

Parapeito said...

Adoro esta sátira :)
Excelente partilha.
Abraço**