Thursday, December 22, 2016

Lagoa



São rios que brotam do teu ventre de mulher e correm por montes e vales até se espraiarem em lago que corre para o mar. Em dias de acalmia o caudal é menor e podem sempre voltar à nascente, desaguando nesse ventre já cansado como se fosses foz. Em noites de tempestade a senhora das águas ergue-se e o mar, violento e imperativo, rasga-te novamente e penetra-te como sempre o fez, para morrer em teus braços. Abre-se o ventre, centro de ti, e deixas correr as águas como se fossem filhos. E nada os detém até se libertarem, adultos e felizes, no encontro com a maior e mais fecunda das vidas: o mar!

Monday, December 19, 2016

Memória de José Dias Coelho


A José Dias Coelho

Seja minha a tua força, irmão
seja meu o teu braço, camarada
Sejam estes muros não um paredão
sejam uma ponte ou mesmo uma estrada.


Seja nela meu o teu anseio, irmão
seja minha a luta que na tua terra travas
seja ela o fruto das coisas que amavas.

Sejam essas coisas, as mesmas, irmão
sejam as que amo aqui nesta cela
seja para sempre a minha na tua mão
seja para todos uma vida bela
seja nela o trigo com a sua cor dourada
sejam as papoilas vermelhas de querer
seja sempre o dia que sucede à madrugada
seja outro o sentido da palavra morrer.

Sejam os mortos aqui ao nosso lado
sejam os seus também os nossos passos
seja em luta o ódio acumulado
sejam retesados nossos membros lassos.

Sejam as colinas de vontade erguidas
seja a sua força a que do amado vem
sejam nossas as tuas palavras queridas
seja minha a tua vontade também.

E não há muros, bombas ou insultos
que detenham as árvores ao nascer da terra
nem façam brotar flores de pensamentos estultos
nem parar o sol. E não será a guerra
com que os lobos sonham em noites de orgia
que impedirão que nasçam.

Das auroras por nascer
das estruturas por erguer
dos caminhos por andar
das flores por brotar
estendem-se as mãos do futuro
que envolvem teu corpo de bandeira.

(Alda Nogueira, Prisão de Caxias, 1963)

Thursday, December 01, 2016

Cabalgando con Fidel


Cabalgando con Fidel

Dicen que en la plaza en estos días
Se les ha visto cabalgar a Camilo y a Martí
Y delante de la caravana
Lentamente sin jinete
Un caballo para ti.


Vuelven las heridas que no sanan
En los hombres y mujeres que no te dejaremos ir
Hoy el corazón nos late a fuera
Y tu pueblo aunque le duela no te quiere despedir.

Hombre, los agradecidos te acompañan
Como anhelaremos tus hazañas
Ni la muerte cree que se apoderó de ti.
Hombre aprendimos a saberte eterno
Así como lo vi en Jesús Cristo
No hay un solo altar sin una luz por ti.

No quiero decirte Comandante
Ni barbudo ni gigante
Todo lo que se de ti.
Hoy quiero gritarte padre mío
No te sueltas de mi mano
Aún no se andar bien sin ti.

Hombre, los agradecidos te acompañan
Como anhelaremos tus hazañas
Ni la muerte cree que se apoderó de ti.
Hombre aprendimos a saberte eterno
Así como lo vi en Jesús Cristo
No hay un solo altar sin una luz por ti.

Hombre, los agradecidos te acompañan
Como anhelaremos tus hazañas
Ni la muerte cree que se apoderó de ti.
Hombre aprendimos a saberte eterno
Así como lo vi en Jesús Cristo
No hay un solo altar sin una luz por ti.

Dicen que la plaza esta mañana
Ya no caben más corceles
Llegando de otro confín
Una multitud desesperada
De héroes de espaldas aladas
Que se han dado cita aquí,
Y delante de la caravana lentamente sin jinete
un caballo para ti.

Raúl Torres

Saturday, November 26, 2016

Fidel Castro




13 de Agosto de 1926 - 25 de Novembro de 2016


HASTA SIEMPRE, COMANDANTE !

Tuesday, November 15, 2016

Memória de José Casanova




A palavra Camarada

Camarada é uma palavra bonita. Sempre. E assume particular beleza e significado quando utilizada pelos militantes comunistas.

O camarada é o companheiro de luta - da luta de todos os dias, à qual dá o conteúdo de futuro, transformador e revolucionário que está na razão da existência de qualquer partido comunista.

O camarada é aquele que, na base de uma específica e concreta opção política, ideológica, de classe, tomou partido - e que sabe que o seu lugar é o do seu partido, que a sua ideologia é a da classe pela qual optou.

O camarada é aquele com cujo apoio solidário contamos em todos os momentos - seja qual for o ponto da trincheira que ocupemos e sejam quais forem as dificuldades e os perigos com que deparamos.

O camarada é aquele que nos ajuda a superar as falhas e os erros individuais - criticando-nos com uma severidade do tamanho da fraternidade contida nessa crítica.

O camarada é aquele que, olhando à sua volta, não vê espelhos... - vê o colectivo - e sabe que, sem ter perdido a sua individualidade, integra uma outra nova e criativa individualidade, soma de múltiplas individualidades.

O camarada é aquele que, vendo a sua opinião minoritária ou isolada, mas julgando-a certa, não desiste de lutar por ela - e que trava essa luta no espaço exacto em que ela deve ser travada: o espaço democrático, amplo, fraterno e solidário, da camaradagem.

O camarada é aquele que, tão naturalmente como respira, faz da fraternidade um caminho, uma maneira de ser e de estar - e que, por isso mesmo, não necessita de a apregoar e jamais a invoca em vão.

O camarada é aquele que olhamos nos olhos sabendo, de antemão, que lá iremos encontrar solicitude, camaradagem, lealdade - e sabemos que esse olhar é uma fonte de força revolucionária.

O camarada é aquele a cuja porta não necessitamos de bater - porque a sabemos sempre aberta à camaradagem.

O camarada é aquele que jamais hesita entre o amigo e o inimigo - seja qual for a situação, seja qual for o erro cometido pelo amigo, seja qual for a razão do inimigo.

O camarada é o que traz consigo, sempre, a palavra amiga, a voz fraterna, o sorriso solidário - e que sabe que a amizade, a fraternidade, a solidariedade, são valores humanos intrínsecos ao ideal comunista.

O camarada é aquele que é revolucionário - e que não desiste de o ser mesmo que todos os dias lhe digam que o tempo que vivemos é coveiro das revoluções.

Camarada é uma palavra bonita - é uma palavra colectiva: é tu, eu, nós: é o Partido. O nosso. O Partido Comunista Português.

José Casanova

(in Avante!, 20.6.2002)

Sunday, November 13, 2016

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.


A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.


A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.


O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.


A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.


Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.


Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.


No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.


O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.


Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.


A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.


Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!


Manoel de Barros

Saturday, October 22, 2016

As ruínas dos pavilhões no parque das Caldas da Rainha

Edifícios abandonados: as ruínas dos pavilhões no parque das Caldas da Rainha

O arquiteto que mandou construir o edifício sonhava em fazer da cidade uma estância termal, mas isso nunca aconteceu.
Foto de Paulo Santos/Pr0j3ct URBEX

Quem entra pela primeira vez no Parque Dom Carlos I, bem no centro histórico das Caldas da Rainha, não deixa de reparar naquele imponente edifício. Mesmo em frente ao lago, numa das laterais do jardim, os pavilhões são um projeto arquitetónico tão imponente que até já houve quem o comparasse a Hogwarts, a escola de Harry Potter do universo de J. K. Rowling. Infelizmente, há muito tempo que não se vê vivalma nos corredores. Neste edifício, restam apenas os vidros partidos, as salas inundadas de papelada que já ninguém acha importante e o desastre de um projeto que nunca chegou a desempenhar as funções para que foi desenhado.

A história dos pavilhões do Parque Dom Carlos I deve-se a um único homem: Rodrigo Maria Berquó, um engenheiro e arquiteto de origens açorianas que nasceu em 1839. Não há consenso sobre se nasceu em Lisboa ou no Rio de Janeiro, no entanto não restam dúvidas de que Berquó era bem português: a mãe chamava-se D. Maria Teresa Caldas e o pai era D. João Maria Berquó, Marquês de Cantagalo, por ordem de D. Pedro I do Brasil.

Rodrigo Maria Berquó era um homem interessante. Formado em arquitetura e engenharia, fazia parte da elite nacional e passou vários anos em Cascais, Sintra e Viseu. Gostava de música, corridas de touros e de tiro, sendo também reconhecido pelas suas capacidades atléticas e desportivas.

Foi no inverno de 1888 que Berquó chegou à vila (na altura ainda era apenas uma vila) das Caldas da Rainha. Com 49 anos, tinha sido chamado para assumir a direção do estabelecimento das águas da cidade, o Hospital Real.
“Chegado às Caldas a 5 de novembro de 1888, presidiu no mesmo dia à primeira reunião como presidente da administração do Hospital Real das Caldas da Rainha”, recorda André Filipe da Cruz Barros na tese de mestrado “O impulso das águas: contributo para a identidade das Caldas da Rainha”, publicado em 2014.

Rodrigo Berquó já tinha dado provas do seu trabalho na coordenação do projeto das termas das Caldas da Felgueira, no distrito de Viseu, onde tinha estado nos últimos sete anos. Tinha experiência, portanto. Mas as suas orientações políticas também não passaram despercebidas.

“A sua ligação ao Partido Progressista, então com José Luciano de Castro no governo, não terá sido alheia à nomeação, que aparecia aos olhos dos progressistas como uma oportunidade de reforçar a sua influência na região”, escreveu Hugo Franco Araújo, num artigo publicado na “Revista Portuguesa de História” em 2012.

Além da administração do Hotel Termal, Rodrigo Berquó foi também chamado para coordenar a recuperação do antigo Passeio da Copa, o jardim que atualmente conhecemos por Parque D. Carlos I. O objetivo era claro: era preciso revitalizar aquela zona, apostando na criação de uma área de recreio para quem frequentava o Hospital Termal (atual Hospital Termal Rainha D. Leonor). Nesta época, as Caldas da Rainha já eram reconhecidas pela qualidade das suas águas termais, e atraía muitos visitantes na época balnear.

Só que Rodrigo Berquó era ambicioso. Ele não queria revitalizar apenas o Passeio da Copa, queria transformá-lo num parque inglês que fosse uma referência em Portugal e lá fora. Um espaço de lazer e com capacidade para praticar inúmeras atividades seria o pormenor perfeito para revitalizar o hospital, torná-lo mais competitivo lá fora e colocar a vila das Caldas da Rainha no mapa – e a competir lado a lado com as grandes estâncias termais da Europa.

Berquó andava de olho no que se fazia lá fora. Em França, por exemplo, país que o arquiteto visitou em várias ocasiões, os hospitais termais com hotéis e balneários incorporados, e rodeados por amplas zonas verdes, eram um sucesso. Um jardim espetacular seria ótimo. Mas e se lá dentro estivesse o Hospital Termal, a desempenhar também as funções de hotel?

O Passeio da Copa era o local ideal para implementar um projeto assim. No entanto, o anúncio não foi bem recebido. A população ficou desconfiada, com receio que o novo espaço de alojamento lhes estragasse o negócio: durante a época balnear, havia quem aproveitasse para receber os turistas em casa, de modo a ganhar assim algum dinheiro extra. Concorrência era a última coisa que queriam.

No início, a imprensa ficou do seu lado. “(…) As Caldas ficará possuindo um dos primeiros estabelecimentos termais e hospitalares da Europa. E dizemos um dos primeiros da Europa porque podemos afirmá-lo sem receio de contradição: as mais afamadas estações balneares da França e da Alemanha não tem a proficuidade das termas nem as magníficas condições climatéricas das nossas Caldas da Rainha”, escreveu

“O Caldense” a 2 de abril de 1893. “Oxalá pois que nenhuma dificuldade imprevista venha embaraçar o engrandecimento do hospital das Caldas da Rainha que mais uma vez o repetimos é desse engrandecimento que principalmente depende a riqueza vital desta terra.”

Infelizmente, foi apenas no início. Mas já lá vamos. O projeto seguiu em frente e, em 1889, Rodrigo Berquó conseguiu o feito de chegar a Presidente da Câmara, acumulando ao mesmo tempo as funções que desempenhava no hospital. Na altura, as ligações entre o Hospital Termal e a Câmara Municipal eram quase promíscuas, havendo pessoas que desempenhavam cargos tanto de um lado como no outro.

Berquó foi mais longe do que todos os outros ao acumular os dois cargos de chefia. No entanto, não aguentou o mandato até ao fim. As pressões, jogos de interesses e debates sobre o porquê de estar a gastar tanto dinheiro em obras públicas levaram à sua demissão dois anos depois, em 1891. Nesta altura, a imprensa já o crucificava. E não era a única.

Rafael Bordalo Pinheiro foi um dos maiores críticos à obra de Berquó. “V. Exª. Desculpe mas eu pensava que a estação thermal das Caldas se devia tornar agradável a todas as pessoas que as quizessem utilizar, pensava que no parque se deviam arranjar caffés, distracções theatros, concertos, ruas bem calçadas, onde não houvesse poeira”, escreveu o artista português na revista humorística “O António Maria”, publicada a 17 de setembro de 1894.

Pior: conforme conta Cláudia Feio no artigo “Os Pavilhões do Parque (Caldas da Rainha) e a Problemática da sua Conservação”, publicado em 2010, “Bordalo criou para Berquó uma série de epítetos jocosos como: ‘Pharaó das Caldas’, ’Mazalipatão’, ’Eu sou o Pá/ O Chá o Grão/O Grão Pachá/Mazalipatão’; ’Capitão-mór no Club’ e ‘Rodriguinho do campo’, ‘Supremo Arquitecto das Caldas’; ‘O Prelado das Caldas’; ‘O Anjo do Extermínio’, entre outros ‘mimos’.”

Talvez fosse um homem incompreendido para o seu tempo. Talvez tenha ido um pouco longe demais. Fosse como fosse, as questões urbanísticas da vila eram de facto muito importantes para Rodrigo Berquó. E ele recusava-se a desistir. Em junho de 1892 o parque foi inaugurado, recebendo o nome Parque D. Carlos I. Nesse mesmo ano foi aprovado oficialmente o projeto do novo Hospital Termal, que hoje conhecemos como Pavilhões do Parque. Um ano depois, foi lançada a primeira pedra.

Não foi fácil. Além da polémica, havia casas no local que era preciso expropriar, por isso o processo demorou mais tempo do que o previsto. As obras arrancaram a sério após a época balnear de 1894.

O projeto de Rodrigo Berquó propunha a construção de sete pavilhões, destinados a enfermarias, uma galeria com 55 metros de comprimento e instalações sanitárias. Até haveria uma torre para observatório meteorológico. Os edifícios começaram a ser construídos em tijolo e pedra, mas também de vigas de ferro e cerâmica, pormenores inovadores na época.

Quando faltava pouco para os pavilhões do Parque D. Carlos I ficarem prontos, as obras pararam de repente.

A 17 de março de 1896, Rodrigo Berquó sofreu um ataque cardíaco e teve morte imediata. Tinha 57 anos. O médico José Filipe de Andrade Rebelo assumiu a administração do Hospital Termal e, consequentemente, das obras. Sem saber o que fazer, pediu ajuda ao capitão de engenharia Basílio Alberto de Souza Pinto, que concluiu que o melhor seria terminar as obras. Apesar do estado avançado dos edifícios, o orçamento estipulado já tinha sido ultrapassado e seria preciso perder muito mais tempo e dinheiro na finalização do projeto.

“A falta de apoio do Estado e supostamente o aparecimento de outras concepções de âmbito funcional e estético, terão deixado este equipamento à sua eterna condição de edifício inacabado”, escreveu Jorge Mangorrinha, autor do livro “Pavilhões do Parque, Património e Termalismo nas Caldas da Rainha”, de 1999. Ficavam assim por construir o sétimo pavilhão e o Observatório Meteorológico.

Foi um final triste para o sonho de Rodrigo Berquó: nas décadas seguintes, os pavilhões fizeram tudo menos receber doentes. Ficaram marcadas pela instabilidade, com a implantação da República e as duas guerras mundiais. A má gestão das entidades responsáveis pelo espaço também não ajudou.

Apesar de tudo, o espaço não ficou inutilizado – simplesmente nunca chegou a ser uma estância termal. Entre 1901 e 1902 recebeu o seu primeiro ocupante, a Escola de Boéres, entre 1918 e 1926 tornou-se na casa do Regimento de Infantaria N.º 5 – que regressaria mais tarde, entre 1927 até ao início da década de 50. Nas décadas seguintes, foi ainda ali que funcionaram o Posto de Turismo, a primeira redação da “Gazeta das Caldas”, associações e até uma biblioteca.

O seu residente mais duradouro – e o último a sair – foi a Escola Técnica Empresarial do Oeste. Ocupou os edifícios, embora não na totalidade, durante 85 anos. O adeus aconteceu em 2005 e, desde então, o edifício está ao abandono.

Quanto a Rodrigo Berquó, se no seu tempo foi aparentemente um homem mal amado, hoje é visto como um herói. Para quem vive nas Caldas da Rainha, ele foi muito mais do que um arquiteto — ele foi o homem que mudou a cidade para sempre. As inovações técnicas, arquitetónicas, sanitárias e higiénicas revolucionou a vida dos caldenses.

O projeto de vida de Rodrigo Berquó, que nunca chegou a tornar-se realidade, celebra em 2016 uns impressionantes 120 anos de existência, mas há 11 que ficaram esquecidos. Se as ocupações temporárias desgastaram os pavilhões, o abandono degradou-os.

Mas talvez não seja assim por muito mais tempo. A 28 de setembro, o governo revelou que pretende reabilitar os Pavilhões do Parque. A iniciativa surge na sequência do programa Revive, uma parceria entre os Ministérios da Economia, da Cultura e das Finanças, que pretende reabilitar edifícios abandonados. No total, 30 locais vão ficar disponíveis para serem concessionados a privados (nacionais e estrangeiros), que ainda assim terão de se comprometer a reabilitar, preservar e conservar o património que continuará a pertencer ao estado.

Enquanto as obras não arrancam, a NiT mostra-lhe as imagens do abandono. As fotografias foram tiradas por Paulo Santos, um dos administradores da página Lugares Abandonados e autor da página Pr0j3ct URBEX em abril de 2015.

Recorde os artigos sobre o Palácio da ComendaAquaparqueRestaurante Panorâmico, Hotel Foz da SertãSanatórios do CaramuloÁguas de RadiumPresídio da TrafariaPavilhão Carlos LopesMosteiro de SeiçaEscola Secundária Afonso DominguesPalácio de D. ChicaQuinta das ÁguiasRARET e o hospital psiquiátrico de Paredes de Coura, todos abandonados.

texto: Marta Gonçalves Miranda 

https://www.nit.pt/fora-de-casa/na-cidade/10-22-2016-edificios-abandonados-as-ruinas-dos-pavilhoes-no-parque-das-caldas-da-rainha

Sunday, October 16, 2016

34 anos sem ti! E tanta saudade....




Adriano Correia de Oliveira

não sei cantar para ti como cantaste
numa noite coimbrã de fogo aceso
corações eles foram tantos que tocaste
tal o meu também voando estando preso


vens de um tempo das afrontas sufocadas
de grilhões prendendo mãos e pensamento
nesse tempo em que ao som de guitarradas
descobrimos ser tão livres como o vento

era um tempo de combate e duras pedras
já cantavam na tão velha escadaria
era negra-negra a noite e as capas negras
mas em cada olhar a esperança se fez dia

na denúncia do algoz soltando amarras
como arauto no combate à força bruta
a tua voz na plangência das guitarras
ia unindo a alma e o corpo à mesma luta

era de Maio essa cor que então cantavas
ou de Abril nesse Inverno descontente
e o calor de rubras flores onde voavas
era o azul de um novo céu de nova gente

eram cores e sons de Abril que já trazias
num assombro de poesias perturbadas
e cantavas naus giestas e alegrias
que fazias ser em nós gume de espadas

à razão deste voz que não se guarda
pressentindo um pulsar que se inquieta
foste o canto a arma e a mão que não se atarda
o percurso firme e tenso de uma seta

ao canto deste a vida e foste esperança
conjugaste em tom diverso o verbo dar
e adivinho o Adriano na criança
que ali corre vida fora junto ao mar

porque somos feitos só de terra e barro
já partiste irmão maior mas entretanto
se nas cinzas se amortalha aquele cigarro
fica em nós presente o grito do teu canto.

Jorge Castro

Friday, October 14, 2016

Balada das onze e meia


Onze e meia: meia hora
para acabar este dia.
Meia hora ainda é hoje.
Meia hora é amanhã.

Às onze e meia da noite
vai haver muita pancada
num bar da Rua das Pretas.

Vai haver muita mudança
nos decretos aprovados.

Às onze e meia da noite
no quarto não se ouve nada
mas no berço uma criança
dorme o sono dos poetas
que andam subalimentados.

Às onze e meia da noite
direi vinte e três e trinta.

Acordo o galo vermelho
com dois murros no pescoço.

Canta, canta, meu pelintra
o dia de hoje é tão velho
que amanhã já estamos mortos.

Às onze e meia da noite
os ódios nunca estão fartos.

Às onze e meia da noite
a morte anda lá por fora
a pedir contas à vida
e os polícias têm medo
da própria sombra que pisam.

Onze e meia. Está na hora.

No relógio ainda é cedo.

Os ponteiros não deslizam.

Às onze horas e meia
esperamos por amanhã.
Chega a noite para a ceia
com dois pezinhos de lã.

Passam gatunos, canalhas
com seus múltiplos perfis.

Caem corpos e navalhas
no silêncio dos lancis.

Onze e meia. A meia hora
que falta, nunca mais passa.

Não passa. Nunca mais passa.
Eu sei lá quanta desgraça
se apodera em meia hora
das ruelas e dos becos
que apodrecem na cidade!

São onze e meia. É agora
que os olhos verdes dos cegos
pressentem a claridade.

Às onze e meia da noite
o vento não bate à porta
nem quer saber de mais nada.
Às onze e meia da noite
no bar da Rua das Pretas
continua a haver pancada.

Às onze e meia da noite
os cães disputam a dente
uma cadela aluada.

Às onze e meia da noite
há travestis no Rossio
à pesca dos marinheiros
que deixaram o navio
e fazem ondas de cio
no sangue dos paneleiros.

Bateram as onze e meia.

Só faltam trinta minutos.

Acende-se a lua cheia
na Rua dos Sapateiros.

São onze e meia da noite
e eu quero ficar contigo
entre lençóis de algodão.

Fincar no flanco uma espora.

Cavalgar por meia hora.

Dar rédeas ao coração.

Às onze e meia da noite
é tempo de solidão.

E nas entranhas do medo
fazem-se filhos diversos.
Como um padeiro faz versos
ou um poeta faz pão.

Às onze e meia da noite.

Às onze e meia da noite
recebem-se embaixadores
e à mesma hora os porteiros
afugentam os trapeiros
vestidos de malfeitores.

Às onze e meia da noite
a Primavera passou-se
para o lado do Outono.
E uma Maria qualquer
nas alamedas do sono
cansada de ser mulher
às onze e meia matou-se.

Em ponto. São onze e meia.

Esta noite os redimidos
hão-de fazer por esquecer.

Bem comidos e bebidos
não tardam a adormecer.

E um frasco de comprimidos
na mesa de cabeceira
vai ajudar os sentidos
a cozer a bebedeira.

Às onze e meia da noite.

Às onze e meia da noite
num gabinete privado
(como a irmã cotovia)
o tipo que está ao lado
cantou tudo o que sabia
para subir de ordenado.

Às onze e meia da noite
rastejam cobras na lama
onde afocinham as putas
Senhoras Donas da Cama.
Mas as putas que são putas.
Não as que têm a fama.

São onze e meia da noite.

Já só falta meia hora.

Apenas trinta minutos.

Às onze e meia da noite
ponho a tristeza de lado
e uma gravata de seda.

Quero ouvir cantar o fado.

Quero dar uma facada
no galo da consciência.

Quero menos paciência
e um pouco mais de loucura.

E enquanto são onze e meia
ainda dura a pancada
no bar da rua das pretas
os putos fazem punhetas
em jeito de habilidade
apenas com quatro dedos.
E descobrem os segredos
de nascerem portugueses
filhos de um povo adiado.

Feitos aqui e agora.

Quando falta meia hora
para acabar o passado.


joaquim pessoa
125 poemas
antologia poética
litexa
1982

Thursday, October 06, 2016

Tuesday, September 27, 2016

Arrábida


abrir um oceano no meio de continentes
e fazer da terra serra
do que era fundo do mar
elevar no ar uma onda e fúria latentes
um penedo de infinitas conchas
que ousam levantar-se
verticais
e ter no extremo ocidente o mais belo cais
uma rocha um substrato um convento
convento, o retiro dos homens que querem estar mesmo ali
à mão de semear do deus que lhes sopra o vento
no rosto, na encosta sul, na face do azul
e do tempo
do tempo que esculpiu escarpas e algares
e povoou de folhas o solo que aceita filtrados os raios do sol
sobre o musgo
talvez do suão ainda nasçam aqueles medronhos
a semente mediterrânica de alecrim
e da pedra humedecida veja nascer o brilho
de onde vim
árabe
mas mais antigo que as regiões as religiões
um refúgio mãe uma concha nossa
a placenta.


Miguel Tiago

Sunday, September 11, 2016

O 11 de Setembro que eu quero recordar


 
 

Ne plus écrire enfin attendre le signal
Celui qui sonnera doublé de mille octaves
Quand passeront au vert les morales suaves
Quand le Bien peignera la crinière du Mal

Quand les bêtes sauront qu'on les met dans des plats
Quand les femmes mettront leur sang à la fenêtre
Et hissant leur calice à hauteur de leur maître
Quand elles diront: "Bois en mémoire de moi"

Quand les oiseaux septembre iront chasser les cons
Quand les mecs cravatés respireront quand même
Et qu'il se chantera dedans les hachélèmes
La messe du granit sur un autel béton

Quand les voteurs votant se mettront tous d'accord
Sur une idée sur rien pour que l'horreur se taise
Même si pour la rime on sort la Marseillaise
Avec un foulard rouge et des gants de chez Dior

Alors nous irons réveiller
Allende Allende Allende Allende

Quand il y aura des mots plus forts que les canons
Ceux qui tonnent déjà dans nos mémoires brèves
Quand les tyrans tireurs tireront sur nos rêves
Parce que de nos rêves lèvera la moisson

Quand les tueurs gagés crèveront dans la soie
Qu'ils soient Président ci ou Général de ça
Quand les voix socialistes chanteront leur partie
En mesure et partant vers d'autres galaxies


Quand les amants cassés se casseront vraiment
Vers l'ailleurs d'autre part enfin et puis comment
Quand la fureur de vivre aura battu son temps
Quand l'hiver de travers se croira au printemps

Quand de ce Capital qu'on prend toujours pour Marx
On ne parlera plus que pour l'honneur du titre
Quand le Pape prendra ses évêques à la mitre
En leur disant: "Porno latin ou non je taxe"

Quand la rumeur du temps cessera pour de bon
Quand le bleu relatif de la mer pâlira
Quand le temps relatif aussi s'évadera
De cette équation triste où le tiennent des cons
Qu'ils soient mathématiques avec Nobel ou non
C'est alors c'est alors que nous réveillerons

Allende Allende Allende Allende...

Thursday, August 25, 2016

Nasceu-te um Filho


Nasceu-te um filho. Não conhecerás,
jamais, a extrema solidão da vida.
Se a não chegaste a conhecer, se a vida
ta não mostrou - já não conhecerás

a dor terrível de a saber escondida
até no puro amor. E esquecerás,
se alguma vez adivinhaste a paz
traiçoeira de estar só, a pressentida,

leve e distante imagem que ilumina
uma paisagem mais distante ainda.
Já nenhum astro te será fatal.

E quando a Sorte julgue que domina,
ou mesmo a Morte, se a alegria finda
- ri-te de ambas, que um filho é imortal.


Jorge de Sena

Thursday, July 21, 2016

- sem título -


É preciso coração para escrever. 
Às vezes o coração aperta-se-nos tanto que estrangula as palavras...

Sunday, June 26, 2016

Dia 360


Saboreio a vida de modo diferente, hoje. Porque o meu corpo também já não é jovem nem insaciável. Mas também não é cobarde e a vida ensinou-me tanto. Vivo a calma que me dá a idade que tenho. Há dias em que os pássaros me vêm buscar e voo com eles. Volto tarde na noite e nada importa. Apenas tu, que me esperas...

Saturday, June 11, 2016

O comum da terra



Nesses dias era sílaba a sílaba que chegavas.
Quem conheça o sul e a sua transparência
também sabe que no verão pelas veredas
da cal a crispação da sombra caminha devagar.
De tanta palavra que disseste algumas
se perdiam, outras duram ainda, são lume
breve arado ceia de pobre roupa remendada.
Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão
era morada e instrumento de alegria.
Esse eras tu: inclinação da água. Na margem
vento areias mastros lábios, tudo ardia.

Eugénio de Andrade
(para Vasco Gonçalves)

Friday, June 03, 2016

Tu



Há uma memória de ti para recordar
Há um espaço em mim para te receber
Há dois braços para um abraço te dar
E há todo o resto da vida para te viver.

Vinte e dois anos contigo. Sempre.

Thursday, May 19, 2016

Três poemas para Catarina


(desenho de José Dias Coelho)




CATARINA EUFÉMIA

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua

(Sophia de Mello Breyner Andresen)


RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA

Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.

Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.

Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do sol
na culatra da noite.

Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.

(José Carlos Ary dos Santos)


CANTAR ALENTEJANO

Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer

Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou

Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou

Aquela pomba tão branca
Todos a querem p’ra si
Ó Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti

Aquela andorinha negra
Bate as asas p’ra voar
Ó Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar

(Vicente Campinas)

Thursday, May 05, 2016

Sonhei contigo...


Sonhei
contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes, tu a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefação de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituísse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer
ao amor, quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço -
terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
da fontes. É isto, porém, que
faz com que a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.


Nuno Júdice

Friday, April 29, 2016

O MAR


Ondas que descansam no seu gesto nupcial
abrem-se e caem
amorosamente sobre os próprios lábios
e a areia
ancas verdes violetas na violência viva
rumor do ilimite na gravidez da água
sussuros gritos minerais inércia magnífica
volúpia de agonia movimentos de amor
morte em cada onda sublevação inaugural
abre-se o corpo que ama na consciência nua
e o corpo é o instante nunca mais e sempre
ó seios e nuvens que na areia se despenham
ó vento anterior ao vento ó cabeças espumosas
ó silêncio sobre o estrépido de amorosas explosões
ó eternidade do mar ensimesmado unânime
em amor e desamor de anónimos amplexos
múltiplo e uno nas suas baixelas cintilantes
ó mar ó presença ondulada do infinito
ó retorno incessante da paixão frigidíssima
ó violenta indolência sempre longínqua sempre ausente
ó catedral profunda que desmoronando-se permanece!
 
António Ramos Rosa

Sunday, April 24, 2016

As portas que Abril abriu


Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.

Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.

Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.

Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.

Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.

Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.

Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação
uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.

Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.

Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.

Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.

Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.

Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.

Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.

E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.

E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.

Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.

Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.

Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.

Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.

E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.

Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.

Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.

Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.

Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.

E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.

A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que se desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.

Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.

E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideais
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.

Entretanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio fazia
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.

Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.

E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.

Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.

Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.

Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.

Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.

Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
— cumpriu-se a revolução.

Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.

Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.

E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.

Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.

E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.

Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opõe àqueles que o firam
consciência nacional.

Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.

Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.

Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.

Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.

Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!

Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.

Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram

das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.

Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.

E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.

Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser

pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.

No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!

É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.

Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.

Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.

Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!


(Ary dos Santos)
Lisboa, Julho-Agosto de 1975

Saturday, April 09, 2016

Memória de Adriano


Nas tuas mãos tomaste uma guitarra.
Copo de vinho de alegria sã
Sangria de suor e de cigarra
que à noite canta a festa da manhã.


Foste sempre o cantor que não se agarra
O que à Terra chamou amante e irmã
Mas também português que investe e marra
Voz de alaúde e rosto de maçã.

O teu coração de oiro veio do Douro
num barco de vindimas de cantigas
tão generoso como a liberdade.

Resta de ti a ilha de um Tesouro
A jóia com as pedras mais antigas.
Não é saudade, não! É amizade.

Ary dos Santos

Tuesday, March 29, 2016

El hermano Obama




en Cuba Debate

Los reyes de España nos trajeron a los conquistadores y dueños, cuyas huellas quedaron en los hatos circulares de tierra asignados a los buscadores de oro en las arenas de los ríos, una forma abusiva y bochornosa de explotación cuyos vestigios se pueden divisar desde el aire en muchos lugares del país.
El turismo hoy, en gran parte, consiste en mostrar las delicias de los paisajes y saborear las exquisiteces alimentarias de nuestros mares, y siempre que se comparta con el capital privado de las grandes corporaciones extranjeras, cuyas ganancias si no alcanzan los miles de millones de dólares per cápita no son dignas de atención alguna.
Ya que me vi obligado a mencionar el tema, debo añadir, principalmente para los jóvenes, que pocas personas se percatan de la importancia de tal condición en este momento singular de la historia humana. No diré que el tiempo se ha perdido, pero no vacilo en afirmar que no estamos suficientemente informados, ni ustedes ni nosotros, de los conocimientos y las conciencias que debiéramos tener para enfrentar las realidades que nos desafían. Lo primero a tomar en cuenta es que nuestras vidas son una fracción histórica de segundo, que hay que compartir además con las necesidades vitales de todo ser humano. Una de las características de este es la tendencia a la sobrevaloración de su papel, lo cual contrasta por otro lado con el número extraordinario de personas que encarnan los sueños más elevados.
Nadie, sin embargo, es bueno o es malo por sí mismo. Ninguno de nosotros está diseñado para el papel que debe asumir en la sociedad revolucionaria. En parte, los cubanos tuvimos el privilegio de contar con el ejemplo de José Martí. Me pregunto incluso si tenía que caer o no en Dos Ríos, cuando dijo “para mí es hora”, y cargó contra las fuerzas españolas atrincheradas en una sólida línea de fuego. No quería regresar a Estados Unidos y no había quién lo hiciera regresar. Alguien arrancó algunas hojas de su diario. ¿Quién cargó con esa pérfida culpa, que fue sin duda obra de algún intrigante inescrupuloso? Se conocen diferencias entre los Jefes, pero jamás indisciplinas. “Quien intente apropiarse de Cuba recogerá el polvo de su suelo anegado en sangre, si no perece en la lucha”, declaró el glorioso líder negro Antonio Maceo. Se reconoce igualmente en Máximo Gómez, el jefe militar más disciplinado y discreto de nuestra historia.
Mirándolo desde otro ángulo, cómo no admirarse de la indignación de Bonifacio Byrne cuando, desde la distante embarcación que lo traía de regreso a Cuba, al divisar otra bandera junto a la de la estrella solitaria, declaró: “Mi bandera es aquella que no ha sido jamás mercenaria…”, para añadir de inmediato una de las más bellas frases que escuché nunca: “Si deshecha en menudos pedazos llega a ser mi bandera algún día… ¡nuestros muertos alzando los brazos la sabrán defender todavía!…”. Tampoco olvidaré las encendidas palabras de Camilo Cienfuegos aquella noche, cuando a varias decenas de metros bazucas y ametralladoras de origen norteamericano, en manos contrarrevolucionarias, apuntaban hacia la terraza donde estábamos parados. Obama había nacido en agosto de 1961, como él mismo explicó. Más de medio siglo transcurriría desde aquel momento.
Veamos sin embargo cómo piensa hoy nuestro ilustre visitante:
“Vine aquí para dejar atrás los últimos vestigios de la guerra fría en las Américas. Vine aquí extendiendo la mano de amistad al pueblo cubano”.
De inmediato un diluvio de conceptos, enteramente novedosos para la mayoría de nosotros:
“Ambos vivimos en un nuevo mundo colonizado por europeos”. Prosiguió el Presidente norteamericano. “Cuba, al igual que Estados Unidos, fue constituida por esclavos traídos de África; al igual que Estados Unidos, el pueblo cubano tiene herencias en esclavos y esclavistas”.
Las poblaciones nativas no existen para nada en la mente de Obama. Tampoco dice que la discriminación racial fue barrida por la Revolución; que el retiro y el salario de todos los cubanos fueron decretados por esta antes de que el señor Barack Obama cumpliera 10 años. La odiosa costumbre burguesa y racista de contratar esbirros para que los ciudadanos negros fuesen expulsados de centros de recreación fue barrida por la Revolución Cubana. Esta pasaría a la historia por la batalla que libró en Angola contra el apartheid, poniendo fin a la presencia de armas nucleares en un continente de más de mil millones de habitantes. No era ese el objetivo de nuestra solidaridad, sino ayudar a los pueblos de Angola, Mozambique, Guinea Bissau y otros del dominio colonial fascista de Portugal.
En 1961, apenas dos años y tres meses después del Triunfo de la Revolución, una fuerza mercenaria con cañones e infantería blindada, equipada con aviones, fue entrenada y acompañada por buques de guerra y portaviones de Estados Unidos, atacando por sorpresa a nuestro país. Nada podrá justificar aquel alevoso ataque que costó a nuestro país cientos de bajas entre muertos y heridos. De la brigada de asalto proyanki, en ninguna parte consta que se hubiese podido evacuar un solo mercenario. Aviones yankis de combate fueron presentados ante Naciones Unidas como equipos cubanos sublevados.
Es de sobra conocida la experiencia militar y el poderío de ese país. En África creyeron igualmente que la Cuba revolucionaria sería puesta fácilmente fuera de combate. El ataque por el Sur de Angola por parte de las brigadas motorizadas de Sudáfrica racista los lleva hasta las proximidades de Luanda, la capital de este país. Ahí se inicia una lucha que se prolongó no menos de 15 años. No hablaría siquiera de esto, a menos que tuviera el deber elemental de responder al discurso de Obama en el Gran Teatro de La Habana Alicia Alonso.
No intentaré tampoco dar detalles, solo enfatizar que allí se escribió una página honrosa de la lucha por la liberación del ser humano. De cierta forma yo deseaba que la conducta de Obama fuese correcta. Su origen humilde y su inteligencia natural eran evidentes. Mandela estaba preso de por vida y se había convertido en un gigante de la lucha por la dignidad humana. Un día llegó a mis manos una copia del libro en que se narra parte de la vida de Mandela y ¡oh, sorpresa!: estaba prologado por Barack Obama. Lo ojeé rápidamente. Era increíble el tamaño de la minúscula letra de Mandela precisando datos. Vale la pena haber conocido hombres como aquel.
Sobre el episodio de Sudáfrica debo señalar otra experiencia. Yo estaba realmente interesado en conocer más detalles sobre la forma en que los sudafricanos habían adquirido las armas nucleares. Solo tenía la información muy precisa de que no pasaban de 10 o 12 bombas. Una fuente segura sería el profesor e investigador Piero Gleijeses, quien había redactado el texto de “Misiones en conflicto: La Habana, Washington y África 1959-1976”; un trabajo excelente. Yo sabía que él era la fuente más segura de lo ocurrido y así se lo comuniqué; me respondió que él no había hablado más del asunto, porque en el texto había respondido a las preguntas del compañero Jorge Risquet, quien había sido embajador o colaborador cubano en Angola, muy amigo suyo. Localicé a Risquet; ya en otras importantes ocupaciones estaba terminando un curso del que le faltaban varias semanas. Esa tarea coincidió con un viaje bastante reciente de Piero a nuestro país; le había advertido a este que Risquet tenía ya algunos años y su salud no era óptima. A los pocos días ocurrió lo que yo temía. Risquet empeoró y falleció. Cuando Piero llegó no había nada que hacer excepto promesas, pero ya yo había logrado información sobre lo que se relacionaba con esa arma y la ayuda que Sudáfrica racista había recibido de Reagan e Israel.
No sé qué tendrá que decir ahora Obama sobre esta historia. Ignoro qué sabía o no, aunque es muy dudoso que no supiera absolutamente nada. Mi modesta sugerencia es que reflexione y no trate ahora de elaborar teorías sobre la política cubana.
Hay una cuestión importante:
Obama pronunció un discurso en el que utiliza las palabras más almibaradas para expresar: “Es hora ya de olvidarnos del pasado, dejemos el pasado, miremos el futuro, mirémoslo juntos, un futuro de esperanza. Y no va a ser fácil, va a haber retos, y a esos vamos a darle tiempo; pero mi estadía aquí me da más esperanzas de lo que podemos hacer juntos como amigos, como familia, como vecinos, juntos”.
Se supone que cada uno de nosotros corría el riesgo de un infarto al escuchar estas palabras del Presidente de Estados Unidos. Tras un bloqueo despiadado que ha durado ya casi 60 años, ¿y los que han muerto en los ataques mercenarios a barcos y puertos cubanos, un avión de línea repleto de pasajeros hecho estallar en pleno vuelo, invasiones mercenarias, múltiples actos de violencia y de fuerza?
Nadie se haga la ilusión de que el pueblo de este noble y abnegado país renunciará a la gloria y los derechos, y a la riqueza espiritual que ha ganado con el desarrollo de la educación, la ciencia y la cultura.
Advierto además que somos capaces de producir los alimentos y las riquezas materiales que necesitamos con el esfuerzo y la inteligencia de nuestro pueblo. No necesitamos que el imperio nos regale nada. Nuestros esfuerzos serán legales y pacíficos, porque es nuestro compromiso con la paz y la fraternidad de todos los seres humanos que vivimos en este planeta.

Fidel Castro Ruz
Marzo 27 de 2016
10 y 25 p.m.

Tuesday, March 08, 2016

Ferreira da Silva



http://ceramicamodernistaemportugal.blogspot.pt/2013/04/luiz-pacheco-entrevista-luis-ferreira.html






Friday, March 04, 2016

Não nos deixam cantar


 
Não nos deixam cantar, Robeson*
meu canário com asas de águia
Meu irmão negro com dentes de pérola
Não nos deixam cantar as nossas canções.
Têm medo, Robeson
medo da aurora, medo de olhar
medo de ouvir, medo de tocar.
Têm medo de amar,
medo de amar como amou Ferhat, apaixonadamente.
(Decerto que também vocês, irmãos negros,
têm um Ferhat, como é que tu lhe chamas, Robeson?)
Têm medo da semente e da terra,
medo da água que corre,
medo da lembrança.
A mão de um amigo que não deseja
nem desconto nem comissão nem moratória
igual a um pássaro quente
não apertou nunca a sua mão.
Têm medo da esperança, Robeson, medo da esperança!
Têm medo, meu canário com asas de águia,
Têm medo das nossas canções, Robeson…

Nazim Hikmet

*Este Robeson é o Paul Robeson, https://www.youtube.com/watch?v=vsIhP1DG5a4
o celebérrimo cantor (baixo) americano, perseguido pelo macchartismo, o que prejudicou gravemente a sua carreira de cantor lírico. Gravou também muitas canções de resistência dos trabalhadores americanos.
(Tradução de Rui Caeiro)

Sunday, February 14, 2016

Quero-te


Não te quero mais. A noite levou-te de mim e eu deixei. Ficou o espanto da tua partida. Não te quero mais. Vou esquecer o teu abraço e o teu cheiro. Que me percorre ainda o corpo. Não te quero mais. Porque o caminho que foi o nosso fugiu-me na escuridão da noite. E eu não o encontro por entre as lágrimas que me escorrem no corpo. Perdi-me de ti do teu abraço do teu cheiro. Perdi-me de nós.
Quero a tua boca só mais uma vez. Morder-me de ti. Passear os meus dedos pelo teu corpo ainda húmido. Quero-te, porque me corres nas veias. Porque és amor amigo amante menino assim distante. Quero-te na solidão da noite. No areal da praia na espuma da onda. Quero-te dentro de mim, como só tu sabes. O sangue a arder. No tempo parado na loucura de nós. Quero-te tanto, quero-te sempre.

Tuesday, February 02, 2016

Vidas



Gostavam de se passear à beira da Lagoa, pés dentro da água, estivesse frio ou calor.
Era aquela a areia que ambos conheciam, pois desde crianças que aí brincavam. E sonhavam com o dia em que os seus filhos e netos fizessem o mesmo. Muitas vezes nadavam até ao outro lado para rolarem nas dunas. Era assim e foi assim durante muitos anos.
Depois, a vida afastou-os.
Passaram anos e a Lagoa continuou a ser um ponto de encontro para todos os que a amavam e amam. Um mergulho em pleno Verão ou um passeio nos dias frios de Inverno, mas sempre respirando o cheiro a sargaço.
Um dia, num final de dia, dois vultos aproximaram-se do cais, vindos de pontos opostos da Lagoa. Nem se olharam, apenas se sentiram. E mergulharam nas águas transparentes, nadando até à outra margem. As roupas do lado de cá. Eles do outro lado.
Nunca mais foram vistos. 

Diz-se que, na maré vazia, aparecem dois corações desenhados na areia, ao lado do cais. Mas nunca ninguém os viu...